O suíço Nicolas Hayek, 80 anos, é uma lenda no mundo da relojoaria, uma espécie de salvador da "pátria dos relógios", por ter reerguido a indústria suíça em um tempo em que os japoneses inundavam o mercado mundial com seus modelos de quartzo baratos e precisos. Nos anos 80, uniu a Asuag e a SSIH, as duas maiores produtoras do país, e criou a Swatch, a descontraída marca de relógios de plástico para todos os gostos e todos os bolsos. Ele está no comando do Swatch Group, dono de 19 marcas, como Omega, Breguet, Tissot, Mido, entre outras, e de um faturamento anual de US$ 4,2 bilhões, ele anunciou que, até o fim do ano, a ETA, fabricante de componentes de relógio do grupo, vai parar de vender peças separadas para outras grifes que não sejam de seu conglomerado. "As perdas para o grupo seriam pequenas comparadas com todas as vantagens que teremos", disse Hayek em uma recente entrevista ao jornal suíço L'Agefi. Para o grupo Swatch, é verdade, o impacto será reduzido, já que as vendas de peças representam cerca de 8% de seu faturamento. Para a concorrência, porém, será mortal. Várias marcas Suiças poderão desaparecer.
Pode parecer mero detalhe, mas o fornecimento de peças para os relógios é o que move todas as engrenagens da indústria suíça e a ETA detém o monopólio nesse segmento. De acordo com estudos de analistas do Citibank, 70% de todas as vendas de componentes na Suíça estão nas mãos da empresa do grupo Swatch. Ou seja, o impacto dessa decisão é profundo e pode pôr em xeque um dos grandes patrimônios nacionais do povo helvético. Se a promessa de Hayek se concretizar, ela aumentaria ainda mais a concentração das vendas do grupo, responsável por 60% de todos os relógios que saem da Suíça. Não há empresa que consiga suprir a saída da ETA do mercado. Hoje, com exceção da Rolex, da Vacheron Constantin, da Jaeger LeCoultre e de poucas marcas contadas nos dedos das mãos, quase todas as grandes grifes, como, por exemplo, Hublot, Baume & Mercier, Tag Heuer e outros ícones, dependem da ETA quando o assunto são os relógios produzidos em larga escala.
Para entender a magnitude de uma decisão como essa, é preciso compreender como a indústria suíça se movimenta. As grifes geralmente compram a base do relógio que, no fundo, seria como o seu chassi e "turbinam" o mecanismo acrescentando algumas peças. Pela estratégia de Hayek, a partir de 2011, as marcas teriam de comprar o mecanismo completo. É como se a Volkswagen fosse hegemônica no mundo do automobilismo e obrigasse a Ford, a GM, a Fiat e quase todos os seus rivais a comprar o motor fabricado por ela. Pior: sem peça de reposição. "Se quebrar, tem que comprar o motor inteiro.
O problema da concentração ficou evidente, em 2002, quando a ETA começou a reduzir o fornecimento de componentes para relógios mecânicos e, em 2006, resolveu parar de vender para terceiros. Foi necessária a intervenção dos órgãos reguladores suíços para que a decisão fosse revista e a data limite ficou estipulada para o fim de 2010. Ainda cabem novos recursos para brecar a decisão da ETA e ela está sob investigação da Comissão Suíça de Competição, a Comco, mas será uma longa briga. Enquanto isso não acontece, algumas marcas tentam minimizar os impactos da provável saída da ETA. A Breitling é uma delas. Na virada dos anos 2000, os executivos da empresa decidiram construir uma manufatura e, assim, diminuir a dependência da ETA. O resultado surtiu efeito, no ano passado, com o lançamento do Chronomat B01, o primeiro relógio da grife com todos os mecanismos próprios. E essa dependência não pode ser suprida da noite para o dia.
Hayek, cuja fortuna pessoal alcança US$ 2 bilhões, sabe que tem nas mãos um diferencial competitivo extremamente valioso. Sabe, ainda, que diante dos últimos números de seu grupo e, sobretudo, do setor, ele precisa se mexer. Dados da Fédération de L'industrie Horlogère Suisse, instituição que representa o setor, mostram que, de janeiro a novembro de 2009, as exportações tiveram uma queda de 21% em comparação ao mesmo período de 2008. As vendas do grupo Swatch no primeiro semestre de 2009 (ainda não foi consolidado o balanço anual) também caíram muito em comparação com o mesmo período de 2008, atingindo uma queda de 15,3%.
Todos correm contra o tempo.
Mark